Por Iracema Morais da Silva e Tania Michele Barreto Waisbeck
A prática Oncológica é relativamente complexa visto que boa parte das terapias aplicadas possuem uma janela terapêutica estreita, além disso, a maioria dos pacientes requerem cuidados multidisciplinares, muitas vezes com várias transições de cuidados, sejam de profissionais e/ou de áreas assistenciais. Todos esses aspectos podem tornar o processo ainda mais complexo, devido sua interdependência, carregando potenciais riscos, que podem resultar em dano ao paciente1. Dessa forma, é fundamental, que as instituições de saúde, consolidem uma cultura de segurança projetando processos sistêmicos que possibilitem a identificação dos riscos e a intervenção de forma a não causar dano ao paciente.
A inovação relacionada ao tratamento Oncológico nos últimos anos, com aumento nas pesquisas, novos medicamentos e vias de administrações, fez necessário a discussão a respeito dos padrões de segurança, incluindo questões como capacitação da equipe assistencial, a educação e o engajamento do paciente.
Em todas as etapas do processo é importante avaliar os determinantes sociais e as possíveis barreiras ao cuidado, incluindo restrições financeiras, sociais e logísticas que podem impactar na adesão ao tratamento e consequente desfecho desfavorável.
As Barreiras de segurança relacionadas à administração de Terapia Antineoplásica foram projetadas com o intuito de mitigar risco em todas as etapas do processo. A seguir descreveremos as principais etapas de segurança relacionadas à Prescrição, Administração e Monitoramento:
- Prescrição
- Prescrição por médicos habilitados e titulação reconhecida pelo conselho de classe. Prescritores de Terapia Antineoplásica devem ser médicos habilitados em Cancerologia clínica, Pediatria ou Hematologia. 2
- Uso de protocolos baseados em evidência científica, de acordo com o diagnóstico e objetivo do tratamento.3,4
- Consentimento informado, esclarecendo o paciente, sobre os riscos benefícios, alternativas, incluindo as toxicidades da terapia. Todos os pacientes devem participar ativamente do processo de conduta terapêutica. Riscos de infertilidade e opções de preservação de fertilidade também devem ser expostos para homens e mulheres em idade reprodutiva, antes do início da terapia, para que possam decidir de forma instrumentalizada sobre as opções terapêuticas.
- Exames laboratoriais recentes, minimamente de acordo com as toxicidades do protocolo proposto.
- Dados antropométricos, como Peso e Altura mensurados e recentes.
- Dupla verificação independente após a prescrição médica. Após a prescrição médica e antes de iniciar o processo de manipulação, dois profissionais habilitados, de forma independente, devem fazer a conferência da prescrição.
- Administração
- Administração exclusiva por Enfermeiro, devidamente registrado no conselho de classe. É competência privativa dos enfermeiros em serviço de Terapia Antineoplásica: “Ministrar quimioterápico, conforme farmacocinética da droga e protocolo terapêutico.” 5
- Adequado acesso venoso para as infusões endovenosas, levando em consideração características da droga, tempo de terapia, fatores intrínsecos do paciente, incluindo as características sociais e psicológicas.
- Dupla verificação à beira leito, por dois profissionais capacitados, de forma independente, na presença e participação do paciente. Alguns autores defendem o uso da tecnologia virtual para essa verificação, em resposta da escassez de enfermeiros e possibilidades de telessaúde6, desde que asseguradas todas as conferências necessárias.
- Uso de EPIS para instalação, retirada e manipulação de excretas. O uso de EPIs para manipulação de excretas deve ser considerado durante o período de excreção da droga, que pode variar entre 48-72h.
- Monitoramento
- Prevenção e manejo de complicações/intercorrências
- Infiltração e Extravasamento. Todas as instituições de saúde que administram antineoplásicos devem ter um guia de prevenção e manejo em casos de Infiltração e Extravasamento.
- Reação infusional. Deve-se levar em consideração o tipo de reação, a conduta passo-a-passo, a necessidade de escalonamento de cuidados, além da necessidade da disposição de um membro de saúde, devidamente treinado em suporte básico de vida durante o horário de funcionamento da instituição.
- Avaliação de toxicidades relacionado à terapia. Avaliação de acordo com as escalas preconizadas: CTCAE (Critérios de Terminologia Comum para Eventos Adversos).7
- Rastreamento de dosagem cumulativa em antineoplásicos com toxicidade limitante de dose3,4, como por exemplo os Antracíclicos (Doxorrubicina, Daunorrubicina, Idarrubicina, Epirrubicina e Mitoxantrona), com toxicidade Cardíaca, a Bleomicina, relacionada à toxicidade pulmonar e a Vincritina com toxicidade Neurológica.
- Prevenção e manejo de complicações/intercorrências
Atenção especial deve ser dada à quimioterapia administrada por via Intratecal: Barreiras de segurança como manipulação segregada, sinalizadores de uso exclusivo por via Intratecal e administração imediatamente após a dupla checagem entre dois profissionais habilitados, são altamente recomendadas.3
Importante: Análogos da vinca devem ser manipulados e administrados obrigatoriamente em mini bags.3
A análise do uso de medicamentos orais de uso contínuo, além de suplementos e vitaminas deve ser feita pelos profissionais assistenciais a fim de possibilitar a reconciliação medicamentosa, incluindo os medicamentos prescritos no ambiente de saúde, bem como aqueles que serão incluídos para a terapia, com análise também de interação medicamentosa entre as drogas e alimentos.
Os antineoplásicos orais possuem risco adicional por serem administrados em ambiente não supervisionados, por isso é fundamental a avaliação de adesão à terapia antineoplásica, com períodos pré-determinados pelas instituições e interrogatórios sistematizados de avaliação de adesão.
É importante ressaltar que as barreiras descritas são aplicáveis a qualquer prescrição de antineoplásicos, independente da via de administração.
A padronização de processos, alinhado à cultura de segurança permite o gerenciamento de riscos específicos, desenvolvendo consciência situacional na equipe assistencial e colaborando com um ambiente seguro para pacientes e colaboradores.
Referências Bibliográficas
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