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Avaliação de novas tecnologias na oncologia: a contribuição do farmacêutico na análise econômica e implementação clínica

Multiprofissional Terça, 05 Novembro 2024 14:34
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Por Maria Clara Rodrigues e Islania Brandão Barbosa

A revolução científica ocorrida a partir de meados do século XX impactou profundamente o setor da saúde, incluindo a Oncologia. Desde então, esforços têm sido dedicados ao desenvolvimento e aprimoramento das práticas de prevenção, triagem, diagnóstico, tratamento e reabilitação oncológica, culminando no cenário atual. A demanda por tratamentos inovadores e eficazes tem crescido à medida que a sociedade avança e reivindica seus direitos, especialmente o direito à saúde integral. Contudo, persistem lacunas e desafios que precisam ser superados para que todos os atores envolvidos — pacientes, profissionais de saúde, governos, prestadores de serviço e operadoras de saúde — possam participar de uma equação que se torna cada vez mais onerosa.

Na Oncologia, o acesso a medicamentos ocupa um lugar central. Trata-se de uma área sensível, em que o impacto de terapias potencialmente capazes de prolongar a vida do paciente é inegável. No entanto, a realidade está longe de ser ideal. Há uma disparidade gritante entre o acesso proporcionado pelos sistemas público e privado, com o último enfrentando pressões financeiras crescentes. Enquanto antineoplásicos convencionais causavam diversos eventos adversos severos, as terapias imunológicas e celulares mais recentes oferecem tratamentos mais direcionados e eficazes, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. De acordo com o IQVIA Institute for Human Data Science, os custos globais com terapias oncológicas atingiram US$ 223 bilhões em 2023 e a previsão é que cheguem a US$ 409 bilhões até 2028​. Além disso, novos tratamentos, como terapias celulares e genéticas, conjugados de anticorpos e terapias com radioligantes, têm ganhado espaço significativo, representando cerca de 25% dos ensaios clínicos em 2023. Esses tratamentos inovadores são mais precisos, mas sua adoção global é desigual devido a variações nos testes de biomarcadores e na capacidade de infraestrutura para entregar essas terapias avançadas¹.

Nesse cenário, questiona-se: apenas o acesso a esses tratamentos inovadores é suficiente? Estudos apontam que o valor em saúde deve ser apreciado de forma mais ampla, incluindo dimensões clínicas, sociais, organizacionais e econômicas. A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) surge como uma ferramenta sistemática e multiprofissional que almeja, através de ferramentas próprias, estabelecer as implicações diretas e indiretas de uma ferramenta aplicada à saúde². As metodologias para essa avaliação podem se adequar a diversos propósitos e categorias, desde um folheto informativo para educação ao paciente até um equipamento para cirurgia robótica. Contudo, diante da urgência em equilibrar essa balança, notoriamente os medicamentos assumem destaque.

 Embora as análises farmacoeconômicas não doutrinem a utilização das tecnologias, elas oferecem subsídios para o entendimento da sua possibilidade de incorporação e sustentabilidade. Habitualmente, a análise de custo-efetividade é a mais utilizada. Enquanto os modelos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos vislumbram a projeção de tecnologias que ofereçam melhores resultados clínicos, por outro lado, o lançamento de novas tecnologias na Oncologia movimenta os players em busca de negociações que sejam minimamente favoráveis às operações, visto que os modelos de remuneração estão cada vez mais estreitos. Assim, a análise de custo-efetividade compara tecnologias e resulta na razão de custo-efetividade incremental (RCEI), de modo que esse fator tende a nortear ações e prioridades no uso de tecnologias com custos e desfechos distintos. Ainda existem algumas limitações, incluindo a necessidade de explorar mais a qualidade de vida como um desfecho, tão discutida na entrega de valor em saúde. Outro desafio também seria definir um limite custo-efetividade, ainda inexistente no Brasil3.

Apesar de a ATS ter sido pensada inicialmente, em todo o mundo, como uma forma de delinear o processo de análise das novas tecnologias e gerenciar as incorporações no serviço público, que historicamente sempre lidou com a escassez de recursos4,5, essa atividade se adequa perfeitamente ao contexto do cenário privado, que discute cada vez mais essa prática. Contudo, as metodologias comumente utilizadas ainda precisam alcançar as particularidades nessa esfera. Sendo assim, algumas adaptações tendem a ser realizadas para atender aos serviços privados que, individualmente, possuem características únicas. 

Na ausência de uma homogeneidade metodológica, o farmacêutico surge com um papel de destaque por se tratar de um profissional que compreende as nuances dos medicamentos. A base técnico-científica deste profissional tende a agregar as propostas e os métodos adotados para integrar as informações de diversos times de uma empresa e gerar valor em saúde. O simples entendimento das informações de estabilidade de um medicamento, do prazo de validade de um frasco com comprimidos após aberto ou da possibilidade de fracionamento de uma forma farmacêutica contribuem para que processos ocorram com cautela, da melhor forma possível e evitando desperdícios que impactarão diretamente nos resultados de toda uma empresa.

Ademais, as competências técnicas do profissional farmacêutico na avaliação de novas tecnologias vão além do conhecimento sobre medicamentos, uma vez que incluem a capacidade de analisar, interpretar e aplicar dados científicos e clínicos na otimização terapêutica, permitindo um olhar diferenciado na análise da eficácia, segurança e performance das tecnologias utilizadas. Deve-se mencionar que o Uso Racional de Medicamentos é uma das premissas de sua atuação, e que o desenvolvimento de políticas, que não apenas reduzam custos, mas também promovam melhores desfechos clínicos, sempre fez parte da formação técnica deste profissional. Ao participar da elaboração de diretrizes clínicas baseadas em evidências, o farmacêutico se faz um agente ativo na promoção da saúde.

Uma vez que a ATS se propõe ao monitoramento das tecnologias emergentes – com potencial aplicação no contexto de interesse, e na Oncologia existe certa frequência no uso off-label de medicamentos ou utilização de medicamentos importados, o farmacêutico possui competência técnica para a formulação de políticas institucionais nestes casos, visando assegurar que todas as práticas estejam em conformidade com as legislações e normas vigentes, minimizando riscos legais e promovendo a segurança dos processos.

Sendo assim, o agrupamento dessas informações compiladas pelo farmacêutico, quando realizado por um serviço estruturado e em consonância com os objetivos da organização, possibilita que desdobramentos ocorram para os times estratégicos e operacionais e contribui com a promoção de políticas e protocolos institucionais. A este respeito, apenas ter acesso não é suficiente. O acesso precisa estar respaldado clinicamente, sendo a alternativa que melhor beneficia aquele paciente, desde que haja também uma perspectiva de continuidade da utilização dessa tecnologia até que seja necessária. Nesse sentido, o estabelecimento de protocolos institucionais6, um processo multidisciplinar, agrega esses critérios e fortalece o discurso em uma área tão efervescente e estimulada quanto a Oncologia. A percepção da nova tecnologia e do seu posicionamento em uma linha de cuidado que, muitas vezes, é utilizada em combinação com agentes convencionais e produtos maduros no mercado tem como uma das principais entregas a promoção de uma incorporação realizada com transparência e, definitivamente, o farmacêutico é um profissional crucial nessa jornada.

 

REFERÊNCIAS

  1. IQVIA Institute for Human Data Science. Global oncology trends 2024: outlook to 2028. Annual trend report. May 28, 2024. Disponível em: <https://www.iqvia.com/insights/the-iqvia-institute/reports-and-publications/reports/global-oncology-trends-2024>. Acesso em: 08 out. 2024.
  2. O'ROURKE, B.; OORTWIJN, W.; SCHULLER, T.; International Joint Task Group. The new definition of health technology assessment: a milestone in international collaboration. International Journal of Technology Assessment in Health Care, v. 36, n. 3, p. 187-190, jun. 2020. DOI: 10.1017/S0266462320000215. Epub 2020 May 13. PMID: 32398176.
  3. ento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: elaboração de estudos para avaliação de equipamentos médicos-assistenciais. 1. ed., 1. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 96 p. il.
  4. BANTA, D.; ALMEIDA, R. T. The development of health technology assessment in Brazil. International Journal of Technology Assessment in Health Care, v. 25, supl. 1, p. 255-259, jul. 2009. DOI: 10.1017/S0266462309090722. Epub 2009 Jun 19. PMID: 19538816.
  5. BANTA, D.; JONSSON, E.; CHILDS, P. History of the international societies in health technology assessment: International Society for Technology Assessment in Health Care and Health Technology Assessment International. International Journal of Technology Assessment in Health Care, v. 25, supl. 1, p. 19-23, jul. 2009. DOI: 10.1017/S0266462309090369. Epub 2009 Jun 9. PMID: 19505349.
  6. ARAÚJO, D. V.; DISTRUTTI, M. S.; ELIAS, F. T. Priorização de tecnologias em saúde: o caso brasileiro. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, v. 9, supl. 1, p. 4-40, 2017.

 

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