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Obesidade e câncer: fisiologia e implicações clínicas

Multiprofissional Segunda, 04 Novembro 2024 19:40
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Por Dra. Andrea Pereira, coordenadora do Comitê Multiprofissional da SBOC

A obesidade é uma doença crônica, caracterizada por aumento da gordura corporal e por índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2. Atualmente, ela acomete cerca de 41 milhões de pessoas (26% da população brasileira), porém segundo a World Obesity Federation haverá um aumento para 40% da população em 2035.(1–3)Em um levantamento de 24 anos de pacientes brasileiras com câncer de mama, em média 30% tinham obesidade ao diagnóstico, mais do que a prevalência na população geral.  (4)

Vários parâmetros metabólicos ocasionam uma associação de obesidade com pelo menos 13 tipos de câncer entre eles: elevação da leptina, aromatase, lipólise, triglicérides, insulina, fator de crescimento vascular endoteliais (FCVE) e citocinas pró-inflamatórias e, redução da adiponectina e da estabilização do fator induzido por hipóxia (FIH1α). Além disso, temos a supressão da imunidade antitumoral, aumento da oxidação dos ácidos graxos das células cancerígenas e supressão das células T. (5,6) Todos esses fatores contribuem para uma maior prevalência de câncer em pessoas com obesidade.

Somado a maior risco, em geral, pacientes com obesidade descobrem o câncer de forma mais avançada. Isso ocorre devido ao preconceito dos profissionais da saúde em relação a eles, ocasionando menor solicitação de exames preventivos, atendimentos mais rápidos e ofensivos, afastando o paciente do serviço de saúde. Além disso, existe uma inadequação dos laboratórios e hospitais para a realização de exames em pacientes com obesidade. (7,8)

Durante o tratamento do câncer a obesidade reduz a resposta do mesmo e aumenta complicações: (9)

  1. Quimioterapia: aumento dos efeitos colaterais (menopausa precoce, alterações hormonais e fadiga) e da quimiotoxicidade, e pior resultado;
  2. Radioterapia: maior resistência a radioterapia e aumento da dor e alterações de pele, como efeitos secundários;
  3. Cirurgia: piora da cicatrização, maior taxa de óbito e infecções;
  4. Hormonioterapia: redução da eficácia e maior prevalência de fraturas;
  5. Imunoterapia: mais efeitos adversos e menor eficácia.

Em pacientes com câncer de próstata e obesidade existe um maior risco de mortalidade, probabilidade de ter o estadiamento subestimado na biópsia e diagnóstico mais tardio, comprometendo de forma significativa o prognóstico.(10)

Além da massa gorda, a redução da massa muscular com perda de funcionalidade, conhecida como sarcopenia, piora o prognóstico e qualidade de vida dos pacientes oncológicos, e aumenta efeitos adversos do tratamento. No caso da obesidade sarcopênica isso é ainda mais impactante, portanto, a avaliação da composição corporal é fundamental nesses pacientes.(11,12)

O tratamento da obesidade é multidisciplinar associando mudança de estilo de vida, alimentação saudável e equilibrada, prática regular de exercícios físicos, uso de medicação antiobesidade, acompanhamento psicológico e cirurgia bariátrica. (13–18)

A maioria dos estudos com paciente com obesidade e câncer falam de mudança de estilo de vida após o tratamento oncológico como medida de perda de peso, até porque o aumento do peso ou manutenção da obesidade, ocorrem geralmente em pacientes com câncer de mama, os demais pacientes perdem peso ao longo do tratamento. Porém, a obesidade requer um tratamento multiprofissional, com o uso de medicação, desde que não interagindo com o tratamento oncológico, desse modo, a semaglutida e tirzepatida são as mais indicadas e com melhores resultados no controle da obesidade. (19)

Em relação a cirurgia bariátrica, existe uma comprovação da sua eficácia na prevenção do câncer, devido a um efetivo controle da obesidade. Porém, devido sua interferência não conhecida na absorção das medicações oncológicas, não deve ser indicada antes do final do tratamento para o câncer. (18,20)

Concluindo, a obesidade é uma condição fundamental para um maior risco de câncer, pior resposta e prognóstico no tratamento oncológico. Portanto, o seu controle e tratamento são fundamentais para uma maior chance de cura e sobrevida nesses pacientes.

 

Referências:

1.        Wharton S, Lau DCW, Vallis M, Sharma AM, Biertho L, Campbell-Scherer D, et al. Obesity in adults: A clinical practice guideline. Cmaj. 2020;192(31):E875–91.

2.        Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquerito telefônico: Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. 2020. p. 1–277.

3.        Obesity W, Board E, Assembly WH, States M, Day WO. World Obesity Federation ’ s response to WHO Discussion Paper ‘ Draft recommendations for the prevention and management of obesity over the life course , including potential targets ’ World Obesity calls on Membe r States to request WHO ’ s Executive Boar. 2020. p. 1–10.

4.        Pereira AZ, Almeida-Pitito B de, Prado RR do, Mattar A, Hegg R, Shida JY, et al. Clinics in Oncology Overview of Obesity and Breast Cancer in Brazil : 24 Years. Clinics in Oncology. 2021;6:1–6.

5.        Rathmell JC. Obesity, Immunity, and Cancer. New England Journal of Medicine. 2021 Mar 25;384(12):1160–2.

6.        Brown KA. Metabolic pathways in obesity-related breast cancer. Vol. 17, Nature Reviews Endocrinology. Nature Research; 2021. p. 350–63.

7.        Yung RL, Ligibel JA. Obesity and Breast Cancer : Risk , Outcomes , and Future Considerations. 2016;14(10):790–7.

8.        Wee CW, McCarthy EP, Davis RB, Phillips RS. Screening for cervical and breast cancer: Is obesity an unrecognized barrier to preventive care? Ann Intern Med. 2000;132(9):697–704.

9.        Zhao C, Hu W, Xu Y, Wang D, Wang Y, Lv W, et al. Current Landscape: The Mechanism and Therapeutic Impact of Obesity for Breast Cancer. Vol. 11, Frontiers in Oncology. Frontiers Media S.A.; 2021.

10.      Langlais CS, Cowan JE, Neuhaus J, Kenfield SA, van Blarigan EL, Broering JM, et al. Obesity at diagnosis and prostate cancer prognosis and recurrence risk following primary treatment by radical prostatectomy. Cancer Epidemiology Biomarkers and Prevention. 2019;28(11):1917–25.

11.      Liu C, Liu T, Deng L, Zhang Q, Song M, Shi J, et al. Sarcopenic Obesity and Outcomes for Patients with Cancer. JAMA Netw Open. 2024 Jun 14;7(6):e2417115.

12.      Ligibel JA, Schmitz KH, Berger NA. Sarcopenia in aging, obesity, and cancer. Vol. 9, Translational Cancer Research. AME Publishing Company; 2020. p. 5760–71.

13.      Wolin KY, Carson K, Colditz GA. Obesity and Cancer. Oncologist [Internet]. 2010;15(6):556–65. Available from: http://theoncologist.alphamedpress.org/cgi/doi/10.1634/theoncologist.2009-0285

14.      Ligibel JA, Wollins D. American society of clinical oncology obesity initiative: Rationale, progress, and future directions. Journal of Clinical Oncology. 2016;34(35):4256–60.

15.      Bianchini F, Kaaks R, Vainio H. Review Overweight , obesity , and cancer risk. Lancet Oncol. 2002;3(September):565–75.

16.      Nagendra L, BG H, Sharma M, Dutta D. Semaglutide and cancer: A systematic review and meta-analysis. Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research & Reviews. 2023 Sep 1;17(9):102834.

17.      Cuttica CM, Briata IM, DeCensi A. Novel Treatments for Obesity: Implications for Cancer Prevention and Treatment. Vol. 15, Nutrients. Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI); 2023.

18.      Aminian A, Wilson R, Al-Kurd A, Tu C, Milinovich A, Kroh M, et al. Association of Bariatric Surgery with Cancer Risk and Mortality in Adults with Obesity. JAMA - Journal of the American Medical Association. 2022;327(24):2423–33.

19.      Fischbach NA, Zhou B, Deng Y, Parsons K, Shelton A, Lustberg MB. Impact of semaglutide and tirzepatide administration on weight in women with stage I-III breast cancer. 2024.

20.      Goldberg SL. Bariatric surgery and oral chemotherapy: Where is the dosing guidance? Vol. 129, Cancer. John Wiley and Sons Inc; 2023. p. 1800–2.

Última modificação em Segunda, 04 Novembro 2024 20:40

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