Embora o câncer seja a principal causa de morte por doença na faixa etária de 15 a 29 anos no Brasil, o grupo é negligenciado e tem piores chances de diagnóstico e tratamento em tempo oportuno, segundo estudo recente do Instituto Nacional de Câncer (Inca), alinhado aos achados internacionais sobre o tema. Os números revelam, por exemplo, que a mediana dos intervalos de tempo para atendimento dos adolescentes e adultos jovens é maior do que a observada em crianças.
De acordo com a publicação, entre os pacientes que chegaram ao hospital sem diagnóstico, 66,3% dos adolescentes e adultos jovens tiveram o tratamento do tumor iniciado em até 60 dias após o diagnóstico – conforme determina a Lei 12.732, de 2012 – no caso das crianças, o percentual foi de 80,8%. Já entre aqueles que chegaram com diagnóstico, o índice cai para 23,3% e 33,5%, respectivamente.
O tempo mediano entre o diagnóstico e o início do tratamento é quatro vezes maior para pacientes de 15 a 29 anos (27 dias) em comparação com aqueles até 14 anos (sete dias). No grupo de adolescentes e jovens adultos, em 75% dos casos esse tempo médio foi de até 67 dias, enquanto para três quartos das crianças foi de até 30 dias; diferença de mais de 100%.
Os adolescentes e jovens adultos também levaram o dobro do tempo médio no intervalo entre a consulta e o diagnóstico (12 dias versus 6 dias) e entre a consulta e o início do tratamento (20 dias versus 11 dias).
“Na literatura mundial, há consenso sobre o fato de esse grupo etário [15 a 29 anos] ser negligenciado”, diz Beatriz de Camargo, médica e pesquisadora do Programa de Hematologia e Oncologia Pediátrica do Inca. “Isso se deve ao desconhecimento sobre a incidência dos tumores nesta faixa etária e ao fato de esta população procurar menos os serviços de saúde, pois são mais independentes e preocupam-se menos com a saúde”, continua. “Além disso, há controvérsias relacionadas ao profissional que deveria tratá-la, aos tipos de tratamento ministrados e à não inclusão dessa faixa etária nos protocolos.” A especialista conta que, nos países mais desenvolvidos, já existem setores específicos para tratar adolescentes e jovens adultos. Segundo ela, o objetivo do Inca, com a inclusão do grupo na publicação, foi apresentar o cenário encontrado no Brasil para ampliar as informações e subsidiar ações sobre um tema tão relevante.
Diferenças por região
Outra questão-chave detectada pela pesquisa são as diferenças regionais, considerando a faixa de 15 a 29 anos. No Sudeste, 75% dos pacientes tiveram o tratamento iniciado até 68 dias após o diagnóstico, enquanto, na Região Norte, esse intervalo foi 46% maior (99 dias).
O estudo mostra que são do Nordeste os casos com o maior intervalo de tempo mediano, de 25 dias, entre a data da primeira consulta e o início do tratamento. No Centro-Oeste esse intervalo é de 9 dias, seguido do Sul, com 14 dias, e do Sudeste e Centro-Oeste com 21 dias cada.
O estudo aponta um aumento estatisticamente significativo na tendência da incidência de todas as neoplasias entre adolescentes e adultos jovens em Jaú, interior de São Paulo (8,3%, 1996-2012), Recife (6,5%, 1995-2009), João Pessoa (6,2%, 1999-2010) e Goiânia (3,2%, 1988-2009). A Grande Vitória foi a única a apresentar redução significativa (4,3%, 1997-2008). Conforme a publicação, há tendência de aumento do número de casos na maioria das localidades, ainda que não estatisticamente significativo.
As informações do estudo foram compiladas a partir de 25 Registros de Câncer de Base Populacional, do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde e dos 271 Registros Hospitalares de Câncer do país.
“O câncer nessa faixa etária apresenta características de transição entre os mais frequentes na infância e os da fase adulta. A incidência nessa faixa etária é maior do que nas crianças, mas ainda muito menor do que a observada nos adultos”, finaliza a Dra. Beatriz de Camargo.