Novas drogas e tecnologias surgem a cada dia na medicina. Por outro lado, os sistemas de saúde precisam equilibrar as demandas dos usuários e o financiamento para oferecer cuidados adequados. Os problemas éticos que surgem nesta equação foram discutidos na Arena Científica do XXV Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica na manhã desta sexta-feira, 8 de novembro, durante o Workshop sobre Ética Médica.
Para dar medida do cenário, Dr. Auro Del Giglio, coordenador da Sessão de Pôster do SBOC 2024, trouxe alguns dados. Ele lembrou que 30% da população está inserida nos serviços privados de saúde. Neste ambiente, há duas métricas: nas operadoras convencionais, quanto mais se prescreve, mais se fatura. Do outro lado, nas verticalizadas: quanto menos você prescreve, melhor. Enquanto isso, 70% da população está na saúde pública, onde o financiamento é insuficiente.
“Além disso, a pirâmide etária brasileira mostra que vamos ter cada vez mais idosos na sociedade, pessoas dependendo do sistema e não contribuindo com ele. Lidamos, ainda, com fraudes. Dados de 2022 mostram que fraudes geram até R$ 34 bilhões de perdas aos planos de saúde. E que a judicialização impacta em R$ 4 bilhões”, adicionou Dr. Auro, que também é o editor-chefe do Brazilian Journal of Oncology (BJO).
Diante dessas circunstâncias, o médico se vê questionado sobre como proceder diante de seu paciente. O oncologista clínico propôs alguns princípios de uma ética básica para os profissionais. O ponto central: o paciente deve estar sempre no primeiro lugar, independentemente do sistema no qual está sendo atendido.
“A decisão clínica não deve depender do sistema. O que é melhor para o paciente deve ser a prioridade. E os pacientes devem estar cientes da sua condição clínica e prognóstico e opções terapêuticas existentes. Sua autonomia deve ser sempre respeitada, desde que suas escolhas sejam legais e eticamente aceitáveis”, indicou.
O especialista indicou, ainda, possíveis soluções para lidar com a judicialização: como uma segunda opinião neutra de especialistas de outras instituições neutras; estrita aderência a guidelines estabelecidos por médicos, seguradoras e convênios; e participação de auditores médicos das seguradoras e convênios em reuniões clínicas multidisciplinares.
Dra. Andreia Melo, ex-diretora da SBOC e chefe da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto Nacional de Câncer, tratou da ética médica no cenário da pesquisa clínica. Ela lembrou que muitas vezes o paciente com câncer está em uma situação vulnerável, com uma doença potencialmente ameaçadora da vida, e pode se sentir impelido a assinar um documento que não tenha tido tempo suficiente para entender no momento de ser um potencial pesquisado.
“Não é incomum, principalmente na oncologia, que o estudo clínico tenha termos extensos, com muitas páginas – em média, são 20. No INCA oferecemos esse termo para o participante, que pode levar para casa pelo tempo necessário para ler e tirar dúvidas. Depois, ele retorna presencialmente para prosseguir com a assinatura”, explicou.
Por isso, no seu entendimento, é trabalho do pesquisador clínico simplificar o termo de consentimento em pesquisas clínicas com expressões mais simples que possam ser debatidas no núcleo familiar.
Dra. Andreia também explicou tecnicamente como é o fluxo de trabalho do INCA, evidenciando a necessidade, por exemplo, de que a vulnerabilidade do paciente pesquisado seja sempre medida. “Um paciente vulnerável não autônomo precisa de um representante legal. E um paciente com autonomia parcial precisa de uma testemunha imparcial acompanhando o momento de assinatura do termo de consentimento”, detalhou.
O 2º dia de Congresso SBOC teve diversas sessões dedicadas às atualizações em diferentes subespecialidades oncológicas. Além disso, a sessão plenária contou palestras sobre o tema “A humanização na era digital”, homenagem aos contemplados dos Prêmios SBOC 2024, anúncio do FIP 2024 e homenagem aos associados SBOC falecidos neste ano.