Em ofício enviado ao ministro Luiz Henrique Mandetta, entidade reforça defesa do conhecimento consolidado para o enfrentamento do novo coronavírus
Diante das ameaças que as tomadas de decisão para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 têm sofrido com a adoção de dados científicos imaturos e experiências isoladas, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) enviou hoje (14/04) ofício ao Ministério da Saúde em que apresenta esclarecimentos sobre condutas clínicas relacionadas ao tratamento da doença, em especial no manejo de pacientes com câncer infectados pelo novo coronavírus.
O documento posiciona a SBOC ao lado de entidades como a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), que têm publicado uma série de recomendações aos profissionais da saúde, gestores públicos e população em geral, todas pautadas em consensos científicos. Tais recomendações, somadas às da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras fontes de credibilidade consolidada, como a American Society of Clincal Oncology (ASCO) e a European Society of Medical Oncology (ESMO), servem de base ao conteúdo que a SBOC oferece aos oncologistas clínicos brasileiros durante a pandemia, reunido no especial coronavirus.sboc.org.br.
Entre os esclarecimentos prestados pela SBOC no ofício enviado ao Ministério da Saúde, a SBOC relata que tem recomendado a todos os médicos e pacientes que discutam muito criteriosamente qualquer tratamento, considerando riscos e benefícios, especialmente no contexto de uma infecção que, em geral, será pouco sintomática. Fazendo referência a medicamentos que têm sido considerados para esse fim, como cloroquina, ivermectina, corticoides, anticoagulantes e outros, o documento reforça que “a SBOC considera temerário oferecer qualquer medicação com potencial de toxicidade a pacientes oncológicos sem nenhum critério de gravidade, até que se tenham dados atestando a segurança e eficácia de tal estratégia”.
Para a presidente da entidade, Dra. Clarissa Mathias, “a urgência do enfrentamento da pandemia não pode levar a decisões de bases tão frágeis”, sob pena de se agravar a crise. “Estamos diante de algumas esperanças para a quantidade crescente de pessoas infectadas ao redor do mundo, mas é preciso ter cautela para não criarmos um problema maior. A SBOC defende que as tomadas de decisão em meio à pandemia sejam feitas de maneira responsável e a ciência continua sendo nossa maior aliada nesse objetivo”, enfatiza.
Ex-presidente da SBOC (2017-2019), Dr. Sergio Simon lembra que os estudos que alçaram a hidroxicloroquina à condição de candidata a tratamento contra COVID-19 foram amplamente questionados pela comunidade científica internacional. “Apesar de alguns resultados positivos, ainda não se pode adotar o uso indiscriminado de um medicamento insuficientemente testado num cenário de alta ocorrência de infecções, mas baixa mortalidade, de 2% a 3%. Não faz sentido em saúde pública tratar 98% dos pacientes de maneira equivocada, com um medicamento que ainda não tem o respaldo científico necessário e pode levar a complicações potencialmente graves, como alguns estudos têm demonstrado”, pondera.
Para o também ex-presidente da SBOC Dr. Gustavo Fernandes (2015-2017), o posicionamento da entidade é coerente com sua história. "A SBOC sempre se posicionou ao lado da ciência e não poderia ser diferente neste momento em que ela é tão solicitada. É perigoso que profissionais que não estão na linha de combate, composta por infectologistas, intensivistas, pneumologistas e outros, manifestem-se de forma a não considerar o que diz o consenso científico dessas áreas ou mesmo contrariar as recomendações daqueles com a devida competência para tratar de uma temática de tão extrema complexidade. Não é hora para achismos, opiniões ou apostas pouco ou nada embasadas pelo conhecimento científico."
Em contraponto às decisões que vêm sendo tomadas por gestores sem bases científicas sólidas, a SBOC apoia todos os estudos clínicos abertos devidamente aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), ligada ao Ministério da Saúde, com as mais diversas medicações experimentais para tratamento da COVID-19. A própria entidade teve uma proposta aprovada pelo órgão, o ONCOVID-19.1, que possibilitará a oncologistas registrarem em uma plataforma digital desenvolvida pela entidade casos de COVID-19 entre pacientes oncológicos em todo o território nacional. “O estudo visa conhecer melhor o cenário e elaborar orientações técnicas em tempo real a nossos especialistas e aos pacientes oncológicos”, esclarece o ofício.
O documento enfatiza que a SBOC reconhece o papel do Núcleo de Evidência do Ministério da Saúde, com destaque à liderança do ministro Luiz Henrique Mandetta, “seja pela tecnicidade como pela serenidade demonstrada nas diversas etapas do processo decisório”.
Para Dr. Sergio Simon, “o mundo está em uma corrida científica e política pela descoberta de tratamentos e a SBOC se posiciona mais uma vez para reforçar a importância do conhecimento científico a despeito de quaisquer interesses partidários ou ideológicos”.