Residentes em Oncologia

Esta nova vídeoaula da Escola Brasileira de Oncologia trata das relações entre agentes infecciosos e oncogênese. O Dr. Sergio D. Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), entrevista o Dr. Hélio Bacha, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Hepatite B e hepatocarcinoma, papilomavírus e câncer de colo de útero e H. pylori e adenocarcinoma de estômago são alguns dos temas comentados.

Confira o teaser: https://vimeo.com/303759030

Acesse o vídeo completo (exclusivo para associados adimplentes): https://sboc.org.br/videoaulas-sboc

Onde as estradas são de água

Notícias Quarta, 28 Novembro 2018 18:08

A realidade pouco conhecida da Oncologia Clínica em Manaus e como a nova geração está tentando modificá-la

Pacientes que moram a sete dias de barco, chegam com tumores avançados e não raro desistem do tratamento. Este é o retrato do dia a dia do atendimento oncológico em Manaus. Mas os médicos de lá não desistem. Oferecem o que há disponível e têm se organizado para fazer mais. As medidas já adotadas são até simples. Constituir um local específico para a Oncologia, tornar-se um departamento exclusivo, ter uma secretária em tempo integral, uma equipe de enfermagem treinada, uma sala de reuniões. “Antes cada setor vinha funcionando de forma fragmentada com pouca comunicação entre as especialidades médicas; e na Oncologia não pode ser assim”, diz a Dra. Poliana Albuquerque Signorini, referindo-se ao aspecto multidisciplinar e multiprofissional da especialidade. Ela está entre os oito oncologistas clínicos da Fundação Centro de Controle em Oncologia (FCECON), o único serviço público do Amazonas a tratar pessoas com câncer.

Alguns dos oito são antigos de casa – mais de duas décadas trabalhando ali. Outros são jovens que ingressaram no hospital via concurso público em 2015. Juntos, atendem uma população de 2,5 milhões. Além do Estado inteiro, há pacientes do sul do Pará, Acre, Roraima e até mesmo venezuelanos e haitianos imigrantes. A carga de trabalho é desgastante: o setor realiza de 1,8 mil a 2 mil consultas médicas todo mês.

Nenhum dos jovens formou-se na especialidade em Manaus. Existe um Programa de Residência Médica em Oncologia Clínica ligado à FCECON, mas há três anos sequer tem candidatos. Poliana, por exemplo, é manauara, fez medicina na Universidade Federal do Amazonas, Clínica Médica na Fundação Hospital Adriano Jorge, também na capital, e Oncologia Clínica no Instituto Nacional de Câncer (INCA), no Rio de Janeiro. “Foram 11 anos de formação no SUS; decidi voltar e tentar retribuir para o meu povo o que eu aprendi”, conta.

A Dra. Gilmara Resende, também de Manaus, tem trajetória e motivação semelhantes, com a diferença de que fez a residência no Hospital de Câncer de Barretos, em São Paulo. “Optei por conhecer instituições mais bem estruturadas e avançadas, mas sempre tive vontade de retornar e mudar, para melhor, a realidade local”, afirma. “Até hoje ouço de colegas médicos que ‘o paciente fulano tem câncer avançado; vai morrer em poucos dias’. Eles são completamente incrédulos quando digo que tenho pacientes metastáticos com sobrevida de anos”, ressalta.

Muitas vezes a descrença dos pacientes também é enorme, conta a Dra. Poliana. As estradas são de água. As viagens de barco ou de lancha a jato precisam ser custeadas pelas prefeituras, o que nem sempre se consegue. As medicações contra o câncer disponíveis são basicamente as restritas ao SUS. As casas de apoio e ONGs ajudam quem não tem condições de se manter na cidade por conta própria durante o tratamento, mas as consultas, exames, sessões de quimioterapia e acompanhamento têm intervalos muito curtos entre si e, no total, é tempo demais para ficar longe de casa, na visão de boa parte deles. “Alguns pacientes me perguntam se a doença tem cura. Quando a resposta é não, por mais que expliquemos que vale a pena se tratar para ter mais qualidade e expectativa de vida, não raro há desistências”, revela a médica.

Diagnóstico tardio é quase regra. Amazonas é um dos Estados brasileiros campeões de casos de câncer de colo uterino, característica de locais com baixo acesso aos sistemas de saúde. “O início da atividade sexual é muito precoce; as pessoas não usam preservativo, não se vacinam contra o HPV”, descreve Poliana. “Quando surgem os sintomas, mulheres muito jovens enfrentam má triagem, mau diagnóstico e chegam ao oncologista com o tumor bem avançado. Aí vêm os outros gargalos, principalmente na radioterapia, como em todo o Brasil.”

A ex-residente do INCA conta que o comprometimento dos oncologistas que atuam na FCECON há mais tempo fez com que o governo estadual passasse a financiar o custeio de alguns medicamentos contra o câncer. “Embora ainda não consigamos oferecer imunoterapia, estamos melhor que outros Estados, segundo relatos de colegas”, pontua. “Mas você se deparar diariamente com casos de tumor bem avançado, em uma doença prevenível, é muito triste”, continua Poliana. “Tenho alguns anticorpos monoclonais de alto custo, mas não consigo oferecer o diagnóstico precoce”, indignase. “Investimos em droga, mas precisaríamos de tratamento precoce e maior chance de cura.”

Subnotificação

Um dos caminhos que os oncologistas de Manaus já começaram a percorrer na tentativa de transformar essa realidade é o registro e a organização dos dados epidemiológicos dos pacientes com câncer atendidos no serviço. “Quando vejo dados publicados mostrando poucos números no Amazonas, fico incomodada por saber que aqueles dados não refletem a minha realidade”, conta Poliana. A oncologista acredita que os pacientes da região amazônica têm características próprias em relação ao câncer e que conhecê-las poderá direcionar de forma mais correta as políticas públicas.

“Atendi mais pacientes com câncer de estômago em um ano aqui do que nos três anos de residência no INCA”, relata. “Tenho a impressão de que é uma neoplasia mais prevalente do que no resto do Brasil, mas temos que coletar dados, analisar e publicar.” Por meio de um projeto de iniciação científica em curso no setor estão sendo levantadas as informações. “Já é uma porta saber o que tem e do que precisa para definir como buscar melhorias, ainda mais em uma especialidade como a oncologia, que vive de evidências”, disserta a médica. “Este é um primeiro ponto: começar a nos fazer enxergar dentro do país.”

“Vamos deixar com a nossa cara”

Quando chegaram ao FCECON e se depararam com aquela demanda imensa de pacientes de altíssima complexidade e os mais variados tipos de tumores, apenas um aparelho de cobalto na radioterapia, sem ressonância magnética na unidade, uma fila interminável para biópsias na patologia e a não realização de imunohistoquímica na cidade, elas compreenderam por que a maioria dos colegas de especialidade opta por atuar em centros mais estruturados. “É normal questionar ‘me preparei tanto para não conseguir fazer nada?’ e decidir não vir para cá”, entende a Dra. Poliana.

Mas ela e seus colegas que formam agora a nova geração de oncologistas da FCECON decidiram ser pontos fora da curva. O sentimento dos recém-empossados no concurso público foi “isso aqui é a minha casa; tenho que organizar”. Eles começaram a trocar ideias de melhorias e, juntos, estimulando um ao outro, sentenciaram: “Vamos deixar o serviço com a nossa cara; tentar fazê-lo crescer de acordo com o que aprendemos.”

A oncologia da FCECON não era organizada como um serviço. Com as mudanças promovidas por eles, agora as pessoas sabem onde encontrar o oncologista; a equipe está engajada e contente com os novos processos. “Nosso fluxo melhorou absurdamente”, comemora a ex-residente do INCA. As novidades também estão sendo vistas com bons olhos pela direção do hospital.

Outras notícias positivas foram chegando, de acordo com a Dra. Gilmara Resende, ex-residente do Hospital de Câncer de Barretos. Mais dois oncologistas concursados e também médicos de outras especialidades puderam assumir suas vagas. “Torná-lo um grande centro não é impossível; se conseguirmos melhorias, aí sim começaremos a atrair residentes e mais oncologistas”, acredita Poliana. “O sonho é grande, mas vai para a frente.”

Criar um centro de Pesquisa Clínica em Oncologia, que seria o primeiro da região norte do país, é também uma meta “para atender essa população tão carente de recursos em saúde e de atenção do poder público”, nas palavras da Dra. Gilmara. Ela, inclusive, foi uma das selecionadas pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) para o Programa de Capacitação em Pesquisa Clínica, realizado em agosto na cidade de Ijuí (RS).

“Na pesquisa clínica, oferecemos tratamentos de ponta com possibilidade de uso de drogas inovadoras, reduzindo custos ao sistema de saúde”, destaca Gilmara. “Também estimula a modernização de todo uma estrutura envolvida na tentativa de equiparação a padrões de assistência e atendimento internacionais, além de proporcionar melhor conhecimento técnico-científico para a equipe multidisciplinar envolvida.”

Apesar da rotina extenuante, as doutoras são superotimistas. “Somos novas ainda e temos energia para tentar fazer algo bom pelo nosso povo; é uma experiência que não teríamos em um lugar onde tudo estivesse pronto”, avalia Poliana. “Se a gente, que é daqui, não buscar as melhorias, não teremos”, constata Gilmara. “No meio do caminho, você encontra os seus parceiros que lhe ajudam, seguimos a mesma linha de raciocínio oncológico e isso dá um gás na nossa motivação”, continua. “O país precisa melhorar muito; temos inúmeros obstáculos a vencer, mas eu pessoalmente me sinto realizada de fazer o que eu gosto.”

Diversos fatores estão relacionados ao desenvolvimento de tumores, dentre eles o consumo exagerado de álcool, o vírus HPV e a exposição excessiva a raios solares. Entretanto, nenhum desses fatores é tão lembrado pelos brasileiros quanto os hereditários – alterações genéticas que são passadas dos pais para os filhos e, hoje, estão comprovadamente associadas a um em cada dez casos de tumores malignos diagnosticados. De acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), 84% das pessoas relacionam o câncer à hereditariedade, sendo o segundo fator mais lembrado de todos, atrás apenas do tabagismo.

O nível de conscientização da população sobre os fatores que causam em torno de 10% dos casos de câncer é um dado positivo. Entretanto, de acordo com o Dr. Rodrigo Guindalini, membro da SBOC, as boas notícias precisariam ser acompanhadas de investimentos substanciais em Oncogenética – área que estuda a relação entre fatores genéticos e o desenvolvimento de tumores – e na disponibilização de suas conquistas à população. Segundo o especialista, a oferta de testes genéticos ainda é incipiente, sendo que grande parte dos brasileiros atualmente não tem acesso a exames que podem levar a estratégias de vigilância e redução de risco de câncer muito mais efetivas e personalizadas. Em alguns casos, medidas que podem ser recomendadas após esses exames – como a mastectomia profilática ou a quimioprevenção – reduzem o risco de câncer em mais de 90%, por exemplo.

“Nos últimos anos, surgiram iniciativas tratando da cobertura de testes genéticos por planos de saúde. Desde 2014, o rol de cobertura obrigatória contempla a investigação diagnóstica para as principais síndromes de câncer hereditário – como a síndrome de câncer de mama e ovário hereditário – e essa cobertura vem sendo ampliada a cada atualização da lista, que ocorre de dois em dois anos. Porém, ainda há melhorias a serem realizadas, como, por exemplo, a inclusão dos genes POLE e POLD1 na pesquisa de polipose colônica – uma doença hereditária que se caracteriza pelo crescimento desordenado de células de tecido na parede do cólon e que pode levar ao surgimento de um câncer”, diz o Dr. Guindalini.

Além disso, segundo o especialista, os critérios clínicos obrigatórios para cobertura dos testes ainda são restritivos e necessitam de aperfeiçoamento. “Com as regras atuais, não é permitido iniciar a investigação diagnóstica para pessoas que ainda não desenvolveram câncer e pertencem a uma família de alto risco. Esta limitação, em famílias nas quais todos os pacientes diagnosticados com câncer já faleceram, inviabiliza a utilização de testes para pessoas que poderiam se beneficiar de estratégias de prevenção primária. Outro entrave é que a aprovação da solicitação dos testes genéticos pelas seguradoras/operadoras foi limitada a poucos profissionais da área médica, excluindo, por exemplo, os oncologistas clínicos. Esta determinação compromete sobremaneira o acesso da população conveniada às novas tecnologias”, explica.

Para o Dr. Guindalini, também é fundamental discutir as dificuldades que a população enfrenta para ter acesso a esses exames de Oncogenética na saúde pública. “A situação é ainda mais complicada e desafiadora no SUS. Existem poucos centros de referência com profissionais capacitados para realização do aconselhamento genético a pacientes com câncer. Dentre esses centros, poucos possuem laboratórios equipados e pessoal treinado para realização e interpretação de exames de biologia molecular. E, nos raros estabelecimentos onde as condições para o aconselhamento genético são adequadas, não há financiamento governamental previsto para cobertura desses testes genéticos para a população de risco. Portanto, é crucial que seja estabelecido um plano nacional articulado entre os órgãos governamentais e centros acadêmicos para criação e implantação do aconselhamento genético para pacientes de alto risco oncológico com o objetivo de garantir a universalidade do acesso às estratégias personalizadas de rastreamento e redução de risco de câncer advindos dos conhecimentos da Oncogenética”, finaliza.

A Dra. Clarissa Baldotto, diretora da Sociedade, ressalta que parte da solução para o problema do acesso dos brasileiros aos avanços da Oncogenética envolve também novos investimentos e incentivos para a formação de especialistas. “Mais da metade dos médicos geneticistas do Brasil estão na região Sudeste. Isso quer dizer que, mesmo com um investimento maciço de verbas em exames e acompanhamento, não haveria profissionais em número suficiente em todo o País para implantar as medidas. Para dar ao câncer hereditário a atenção necessária, é crucial que sejam feitos mais investimentos públicos e privados destinados a despertar o interesse de cada vez mais profissionais pelo tema. Na SBOC, lançamos no ano passado um programa para residentes em Oncologia Clínica realizarem um treinamento internacional em Oncogenética. Apenas com medidas como essa haverá um aumento na massa crítica de profissionais que poderão atuar efetivamente para prevenção, redução de risco, diagnóstico e tratamento do câncer hereditário”, finaliza Baldotto.

Lacunas na saúde pública, lacunas na educação da população

Enquanto a importância que a população destina à hereditariedade no desenvolvimento de tumores é positiva, o levantamento da SBOC mostrou que a mesma atenção não é dada a outras causas, como hábitos de vida e fatores ambientais. “O que é passado hereditariamente é importante para entendermos o desenvolvimento da doença, mas é apenas uma peça em um quebra-cabeça muito mais complexo. Outros fatores, como a ingestão exagerada de bebidas alcóolicas, exposição excessiva ao sol, doenças sexualmente transmissíveis também são chave para entender a incidência do câncer no Brasil, mas essas causas são ignoradas por pelo menos dois em cada dez brasileiros como questões que podem causar um tumor. Os números são muito altos e demonstram que grandes esforços ainda precisam ser feitos para conscientizar a população”, salienta Baldotto.

A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) apresentou recurso contra a Portaria da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde nº 58, de 30 de outubro, que tornou pública a decisão de não incorporar o ipilimumabe para tratamento de pacientes com melanoma metastático em caso de progressão após quimioterapia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

A decisão desfavorável à incorporação no SUS tem como base o relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). “Se bem analisado, o conjunto de dados e evidências apresentados no referido relatório traz elementos bastante consistentes para justificar a incorporação desse medicamento”, ressalta o Dr. Sergio D. Simon, presidente da SBOC.

Segundo a própria Conitec, existe evidência com boa qualidade metodológica de que o ipilimumabe é eficaz e seguro no tratamento de pacientes com melanoma metastático ou inoperável tanto em pacientes virgens de tratamento quanto entre aqueles com falha após terapia inicial; e as agências de avaliação de tecnologia em saúde da Austrália, do Canadá e da Inglaterra recomendam o medicamento nesses mesmos casos.

“Esta possibilidade de apresentar recurso está prevista no regulamento da Conitec, e isso pode ser feito por qualquer pessoa ou instituição. É uma ferramenta que a sociedade tem para contestar uma decisão que entende ser equivocada”, explica o gerente jurídico da SBOC, Dr. Tiago Farina Matos. “Acreditamos que a atitude da SBOC é muito importante para rebater, mais uma vez, os argumentos colocados para a não incorporação, e chamar a atenção do Ministério da Saúde, que pode, juridicamente, analisar o pedido novamente e reverter a decisão inicial”, salienta.

Recurso

Entre diversos aspectos discutidos no recurso, a SBOC afirma que a principal limitação da incorporação, já discutida pela Sociedade com especialistas selecionados, seria a existência de outras opções terapêuticas com eficácia superior ao ipilimumabe já registrados no Brasil. “Apesar de apresentarem custo individual, por ciclo, inferior ao ipilimumabe, eles são utilizados continuamente, sem limitação máxima de ciclos, até progressão da doença, surgimento de toxicidades intoleráveis ou obviamente a morte do paciente. O ipilimumabe foi selecionado para solicitação de incorporação especificamente porque o número de ciclos é limitado (quatro aplicações no máximo), e o impacto orçamentário seria menor do que com outras terapias-alvo ou imunoterápicos”, diz o texto.

A SBOC, que é autora do pedido de incorporação, defende que a existência de outras tecnologias potencialmente mais eficazes não é justificativa para a não incorporação do ipilimumabe em segunda linha. Especialmente porque nenhuma outra tecnologia foi incorporada até o momento. A única opção existente no SUS hoje é a quimioterapia, opção esta duramente criticada pela própria Conitec em seu relatório.

“Dessa forma, na ausência de viabilidade econômica para incorporação de outras tecnologias no SUS para tratamento de pacientes com melanoma metastático, entendemos que a incorporação do ipilimumabe é recomendável e necessária, sobretudo se o Ministério da Saúde diligenciar uma competente negociação de preços com a detentora do registro do medicamento, tornando a estratégia ainda mais custo-efetiva”, destaca o recurso.

Uma das condições para que o Dr. José Bines assumisse, recentemente, um cargo de gestão em uma grande rede de oncologia foi justamente continuar no Instituto Nacional de Câncer, o INCA. “É uma ligação profissional e afetiva”, define. De seus 53 anos de vida, já são 20 dedicados à instituição pública, onde atua como oncologista, preceptor e pesquisador na área de câncer de mama. Seus números são de alguém que se tornou referência. No ResearchGate, rede social que aproxima cientistas, tem 73 trabalhos registrados, 3,1 mil leituras e 2,5 mil citações. Em suas conexões, aparecem médicos do mundo inteiro. No INCA, também fez escola, ajudando a formar gerações de oncologistas. Quando um novo paciente diz que ouviu falar de sua competência, o coração se enche de orgulho e ele responde que espera corresponder às expectativas.

Isso já aconteceu alguns milhares de vezes, sem exagero. Com uma média de 30 por semana, o médico seguramente já ultrapassou a marca de 24 mil consultas. Dar o melhor de si tem sido a tônica da sua atuação. E é esta superação diária que ele aponta também como seu legado. Desde a sua entrada no mundo da pesquisa, o olhar diferenciado sobre informações já disponíveis traduziu-se em um trabalho inovador. “Foi um artigo de revisão a respeito de menopausa precoce e infertilidade em mulheres jovens, publicado em 1996 no Journal of Clinical Oncology, e que é citado até hoje”, lembra com carinho. Ele era assistente de uma pesquisadora e acabou fazendo o trabalho para auxiliá-la, ainda sem dimensionar à época a potencial repercussão deste tipo de iniciativa.

O resultado positivo o conquistou para a pesquisa. No Congresso deste ano da American Society of Clinical Oncology (ASCO), por exemplo, apresentou um trabalho de novo inteiramente desenvolvido no INCA cujos benefícios demonstrados não representam nenhum acréscimo de custo ao tratamento.

O estudo clínico de fase 2 NeoSAMBA – sim, o nome é uma homenagem ao Rio e ao Brasil – seguiu 120 pacientes com câncer de mama por cinco anos. Ficou sugerido que tratá-las primeiro com taxano e depois com antraciclinas – e não o contrário, como era o padrão anterior – traz ganhos significativos de sobrevida livre de progressão e, principalmente, de sobrevida global. “Me encanta fazer melhor com o que a gente já tem”, compartilha. “Na saúde pública, obviamente a limitação de recursos nos estimula a isso constantemente. Mas, em âmbito privado, também existe uma discussão importante por conta dos altos custos da oncologia e é extremamente válido termos essa mentalidade”, incentiva.

Verdades passageiras

Bines é carioca e sempre morou na cidade de Tom e Vinícius. Fez a faculdade de medicina e a residência em Clínica Médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e seguiu para os EUA. Ficou seis anos em Chicago, entre a Rush-Presbyterian-St. Luke’s University e a Northwestern University, onde se especializou em oncologia.

O desafio de tratar pessoas com doenças graves e poder oferecer-lhes melhor qualidade de vida a partir dos avanços da ciência foi o que o atraiu para a Oncologia. “É uma especialidade nova, que requer muito estudo e vem a todo momento se modificando”, define. “Em Oncologia, as verdades são passageiras; não há monotonia.”

Há duas décadas, ele voltou ao Brasil com uma proposta de atuar no INCA. Iniciou sua prática privada um ano depois. As mudanças do mercado e a possibilidade de trabalhar em um centro que oferece todos os profissionais e recursos para o tratamento dos pacientes oncológicos em um só lugar o convenceram a assumir, em 2018, a liderança da oncologia na Clínica São Vicente, que pertence à Rede D’Or. Mas continua firme e forte no INCA, fazendo a sua parte e sonhando que a instituição recupere solidez e recursos, com melhor gestão e mais pesquisa.

O Dr. José Bines conta que já ocupou cargos de chefia lá, mas há tempos prefere enfocar suas atividades na assistência, na preceptoria e nos estudos clínicos. “Faço meu trabalho desvinculado das questões políticas das quais a instituição acaba sendo vítima. Dessa forma, tenho mais autonomia para manter esse vínculo ao longo dos anos.”

Ele lembra, com satisfação, que o INCA foi pioneiro ao adotar a concepção de prestar atendimento completo aos pacientes sem necessidade de deslocamentos e favorecendo o acompanhamento multiprofissional. “Esse modelo facilita a vida do médico também; é um cenário mais favorável dada a complexidade da doença”, defende. Outro marco profissional apontado pelo oncologista foi a fundação do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM), em 2005, o primeiro da sub-especialidade em um país.

Da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), como associado espera uma atuação sempre firme para ampliar as discussões em torno de acesso dos pacientes ao diagnóstico e ao tratamento. “A Sociedade é o que os membros são; assim, deve refletir no âmbito coletivo o que cada médico faz individualmente, que é brigar pelo melhor para os seus pacientes”, afirma. Julga que envolvimento e representatividade são essenciais para que este papel seja bem cumprido, com especial apoio aos serviços públicos de saúde, onde estão 75% da população brasileira.

Dar de volta

A premissa de retribuir para a sociedade parte dos benefícios que ele próprio recebeu ao formar-se em instituições públicas despertou também em Bines o desejo de ser um elemento multiplicador de conhecimento e de atendimento de qualidade. “É muito importante para mim o contato com os residentes e pessoas em aprendizado de maneira geral”, valoriza. “Sinto que consigo transferir a minha bagagem e eles poderão também passar tudo isso adiante.” Este entusiasmo faz com que, frequentemente, seja convidado para conversar com jovens oncologistas sobre escolhas, carreira e satisfação profissional e pessoal. “Mostramos um pouco da nossa vivência e os caminhos que consideramos os melhores a seguir e a não seguir”, pontua. “Em relação a alguns talentos dos quais pude ser mentor até hoje, o que fiz foi basicamente não atrapalhar o caminho deles”, brinca.

Bines tem consciência de que poucos profissionais da Oncologia permanecem em instituições públicas por longo tempo, diante de tantos entraves e empecilhos que acabam repelindo a maioria. No entanto, considera-se realizado com a sua trajetória até aqui. “Trabalhar no público e no privado proporciona uma vivência muito rica. Se você consegue aproveitar o que há de melhor em todos os cenários, colocar o peso certo, valorizar o que funciona, sente-se completo”, finaliza.

A pesquisa clínica avança no mundo em altíssima velocidade e a sensação dos pesquisadores da Oncologia Clínica é que o Brasil está ficando para trás. O motivo? Demora na aprovação regulatória dos estudos. O prazo médio para liberação pela nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é de um ano, enquanto nos Estados Unidos e na Coreia do Sul não passa de três meses. O número de estudos em todo o mundo cresceu 13.326% em 18 anos (veja infográfico abaixo). A parcela que cabe ao Brasil hoje é de 6.278 estudos ou 1,65% do total. Deveria ser, no mínimo, três vezes maior, de acordo com o Dr. Fabio Franke, vice-presidente da SBOC para Pesquisa Clínica e Estudos Corporativos: “Entendemos que o Brasil poderia participar de 6% das pesquisas não fossem os entraves burocráticos”.

“O mundo está mais competitivo. Houve uma entrada forte da China e de países do Leste Europeu nas pesquisas para tratamento de câncer”, avalia a Dra. Maria Del Pilar Estevez Diz, chefe da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). “Quando um estudo finalmente é aprovado aqui, já está aberto em outros países há algum tempo e conseguimos incluir um número cada vez menor de pacientes”, explica a médica.

A chefe da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Dra. Andréia Melo, acredita que as aprovações regulatórias tardias tornaram o Brasil malvisto pela comunidade internacional. “Muitos patrocinadores sequer consideram enviar estudos para cá”, salienta. A oncologista conta que outros países têm representado a América do Sul nesses estudos, como Colômbia, Chile e Argentina, com intervalos muito menores para aprovação. “E a nossa demora não significa que nossa análise seja diferente da desses outros países, mas sim que devemos nos organizar melhor. Temos um número limitado de pessoas trabalhando nos órgãos regulatórios; menos profissionais capacitados para priorizar as análises.”

Investimentos e qualificação

A Dra. Pilar, do ICESP, frisa que o avanço da oncologia demanda agilidade crescente e que o Brasil tem centros de oncologia e profissionais com conhecimento técnico para desenvolver os estudos. Mas boa parte deste potencial está sendo desperdiçada. Embora o Brasil seja o quinto mais populoso do mundo e o sexto maior mercado mundial de medicamentos, está apenas em 14º no ranking de número de estudos clínicos registrados.

Levantamento recente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostra que ao menos 242 estudos relacionados a medicamentos deixaram de ser realizados no país nos últimos sete anos, com perda de R$ 490 milhões em investimentos. “Receber estudos clínicos demanda da instituição uma estrutura adequada, o que se reflete em melhorias em vários setores.

“Ninguém funciona em ilhas; você precisa ter um bom serviço ou é muito difícil participar de pesquisas complexas e de qualidade”, explica a Dra. Pilar. A médica acrescenta que o contrário é verdadeiro, isto é, se há menos estudos clínicos, o investimento administrativo e acadêmico também é menor.

Uma ou duas semanas para recrutar pacientes é um prazo esdrúxulo, na opinião da Dra. Andréia Melo, do INCA. Mas a situa-ção é frequente no Brasil por causa da demora na aprovação dos protocolos de pesquisa. Ela conta que preparar o centro de pesquisa para participar de um estudo, submeter toda a documentação regulatória e depois ter um tempo extremamente reduzido para incluir pacientes acaba sendo “muito trabalho para poucos frutos, tanto para a instituição como para a população”.

Para a Dra. Pilar, a redução no número de estudos causa diversas perdas diretas e indiretas. “Os médicos assistentes que participam dos estudos [no caso do ICESP são todos eles] passam por um treinamento muito específico, se aprofundam, investigam, são expostos a questões éticas, vivenciam eventuais complicações e como manejá-las e se familiarizam com medicamentos que estarão na sua rotina no futuro”, explica. “Também há um padrão mais rígido de atendimento e acompanhamento, próprio do ambiente de pesquisa, que propiciam mais qualificação para todos os profissionais envolvidos; as discussões são mais elaboradas”, frisa.

Na visão da chefe de Oncologia Clínica do ICESP, pesquisas são trabalhosas, mas a satisfação e o desenvolvimento profissional e pessoal são ímpares. “Ver a apresentação de um estudo mundial e importante do qual você participou desde o início é muito gratificante”, externa.

info pesquisa clinica

Quase metade dos brasileiros tem muito medo de ter câncer. Mas, apesar da preocupação, 24% da população não fazem exames preventivos. É o que aponta pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, que ouviu 1.500 pessoas em todo o país. Os entrevistados apontam diversos motivos para não cuidar da saúde: 29% dizem não ter plano de saúde, outros 28% alegam não ter tempo e 11% têm medo de descobrir que podem estar com a doença.

Os estados com maior grau de medo do câncer são Pará (52%) e São Paulo (48%), enquanto Minas Gerais (39%) e Rio Grande do Sul (25%) registraram grau inferior de medo.

Segundo o levantamento, metade das pessoas ouvidas não fazem exercício físico e uma em cada quatro não vê a obesidade como problema relacionado ao câncer. Pessoas sabem da importância dessa medida, mas resistem a mudar o estilo de vida.

“Os cuidados necessários já são conhecidos pela população: não fumar, preferir alimentos naturais, manter uma dieta equilibrada e praticar atividade física, mas o medo ainda não é suficiente para a mudança de hábito. Por isso, é extremamente importante investir em prevenção e campanhas de conscientização”, afirma Dr. Sergio D. Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

Apesar do medo, 80% dos entrevistados de todo país acreditam na cura do câncer, que, por sua vez, depende do diagnóstico precoce. Entretanto, de acordo com o levantamento, aproximadamente metade dos entrevistados tem dificuldade para marcar consultas ou realizar exames.

“O sistema de saúde brasileiro enfrenta diversos desafios de financiamento e gestão que impactam a qualidade e o tempo de espera de atendimento, o que pode afastar a população de cuidados básicos. Em época de eleição, é importante que os candidatos, seja no Legislativo ou no Executivo, tenham consciência de que a prevenção é a maneira mais custo-efetiva de combater o câncer”, completa o Dr. Simon.

A Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo, está com inscrições abertas até 6 de dezembro para seis vagas da residência médica em Oncologia Clínica. Informações: https://www.edudata.com.br/fmabc19/fmabc19_portal.asp?p=opc

A revista científica da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), Brazilian Journal of Oncology, tem novos artigos publicados com livre acesso pelo site. Trata-se do volume 14, número 48.

Um deles trata do conhecimento de farmacovigilância no Brasil a partir da percepção de grupos de representantes de pacientes sobre os efeitos adversos relatados (Pharmacovigilance knowledge in Brazil: perception of participants of oncology patient advocacy group on adverse events reporting). Os pesquisadores pertencem ao Instituto Oncoguia e ao Evidências Kantar Health, de São Paulo.

O segundo (Inferred survival analysis of metastatic breast cancer in a Brazilian external library) revela que a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão inferidas para pacientes com câncer de mama metastático iniciando o tratamento de primeira linha no SUS foi inferior às referências internacionais. Os autores pertencem à Latin American Cooperative Oncology Group (LACOG), Escola de Medicina da PUCRS, Hospital Israelita Albert Einstein e Centro Paulista de Oncologia, Roche, FAMED PUCRS e Hospital do Câncer Mãe de Deus.

O tema do terceiro artigo da edição são os novos horizontes para o tratamento do câncer de próstata resistente à castração: terapia androgênica bipolar (New horizons for treating castration resistant prostate cancer: Bipolar Androgen Therapy). Este trabalho contou com pesquisadores do Johns Hopkins Sidney Kimmel Comprehensive Cancer Center, Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

Já o último texto traz duas Cartas ao Editor. A primeira sobre quanto esforço cirúrgico deveria ser associado à quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (How much "surgical eff ort" should be added to HIPEC?), escrita por membros do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, da Universidade Federal de Pernambuco e do A.C. Camargo Cancer Center. A outra é a respeito do estado atual e futuro das neoplasias peritoneais (Current status and future of peritoneal surface diseases), enviada por médicos do Departamento de Cirurgia da Unidade de Cirurgia Colorretal do Aarhus University Hospital, na Alemanha.

Novo site

Todo o conteúdo da BJO está no novo site, lançado recentemente, com acesso gratuito. Os textos são em inglês e estão disponíveis nas versões HTML ou PDF. Há ferramenta para busca por título, autor e palavras-chave. A plataforma de submissão de artigos também foi desenhada de acordo com boas práticas internacionais para a apresentação de periódicos científicos. A equipe de editores e revisores trabalha para indexar a revista a bases de dados renomadas na área médica. Confira: http://brazilianjournalofoncology.com.br

Em artigo no blog “Com a Palavra”, da revista Saúde É Vital, o Dr. Sergio D. Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), comenta que, após décadas sem avanços significativos, um estudo de fase 3 (IMpassion 130) documentou benefício considerável da chamada imunoterapia contra o câncer de mama metastático triplo-negativo.

Leia o artigo na íntegra: https://abr.ai/2RSDicm